terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Menos feliz ano novo, mais novas e eficazes políticas públicas



A primeira piada do ano foi ouvir autoridades constituídas e eleitas de cidades brasileiras professarem que a responsabilidade pelas tragédias nos morros fluminenses e paulistas é dos moradores que ali se instalaram. É evidente que ocupar encostas e tomar por seu terrenos próximos a nascentes e cachoeiras, ou em sopés de montanha, tem sem dúvida alguma a conivência das prefeituras (leia-se aqui prefeitos, secretários de Obras e de Planejamento).

Além das prefeituras (Código de Conduta e Uso do Solo) em primeiro plano, o Estado (Leis Complementares) e a própria União (Código Florestal, a Lei Lehmann - Lei Federal nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979), são, nessa ordem, os co-responsáveis pelos desastres ocorridos nas encostas brasileiras. Essas instâncias, cada uma em sua proporção, fazem vista grossa para as ocupações em áreas de risco.

É claro que, em muitos casos, a ocupação é feita deliberadamente pelos moradores e a esses imputa-se parte das responsabilidades e riscos.

É de doer o que estamos vendo no início deste ano de 2010. Cunha e Angra dos Reis devastadas por deslizamentos, São Luís do Paraitinga inundada. Cidades e destinos que possuem o turismo como sua primeira fonte de renda, soterradas por forças medonhas da natureza. Mas existem forças anteriores (ou posteriores?) de também meter medo.

“Tudo o que se tira da natureza ela retoma de volta”, diz uma autoridade geológica. Essa lei, que toda criança um pouco esclarecida sabe, está martelando tanto a cabeça dos técnicos urbanistas como das pessoas que choram seus mortos.

Em muitas cidades litorâneas e serranas a construção civil e a especulação imobiliária tende a empurrar a população de baixa renda (e também os de alta com suas mansões) em direção às encostas e morros.
Cidades turísticas como Ubatuba, Guarujá, Campos do Jordão, Petrópolis, Ouro Peto e tantas outras experimentam o mesmo fenômeno de levitação urbana. Sim, levitação urbana, porque a única alternativa para a população que se vê espremida entre o mar e a faixa de areia é se pendurar nos morros.

Seríamos levianos em dizer que nada tem sido feito para mudar isso. Planos e projetos de habitação e remanejamento de populações inteiras de áreas alagadas para regiões de terra firme estão sendo efetuados, mas é muito pouco.

O processo de expansão urbana é complexo e necessitaríamos aqui remontar a história de uso do solo brasileiro, primeiro com fins extrativistas, depois para fins imobiliários. De 1970 para cá, a sensibilidade ambiental entrou em cena e algumas leis foram criadas para a conservação e proteção do solo.

As APAs, por exemplo, constituem Unidades de Conservação destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais existentes dentro de uma determinada área verde nativa. Centenas de municípios litorâneos fazem vista grossa a essa legislação.

“São mais de 3 mil moradores em áreas de risco em Angra dos Reis”, disse uma autoridade, se desvencilhando da mira do canhão. Essa frase sintetiza a bagunça nos milhares de quilômetros de costa que temos...

Os desastres nos morros brasileiros decorrentes de desmoronamentos não são de hoje. Há relatos de já na década de 60 do século passado.
“A inadequação de nossos preceitos urbanísticos e também de nossa sensibilidade social ficam mais claramente desmascarados nas encostas”, diz Flavio Farah, em seu livro Habitação em Encostas, de 2003.

“Na grande reforma de Paris, em meados do Século XIX, a exemplo do que aconteceria no Rio de Janeiro da virada do Século, houve intensa remoção da população pobre do centro da cidade. Porém, no caso de Paris, o Estado investiu também na geração de habitações populares, capazes de atender, pelo menos parcialmente, os que perderam a possibilidade de morar nas regiões mais centrais. Por desejo expresso de Luís Napoleão, a reforma de Paris contemplaria a construção de casas populares, iniciada modestamente com a destinação de verba específica de 50.000 francos à construção de um conjunto habitacional na Rua Rochechouart, o “Cité Napoléon”. Em 1852, nada menos que 10.000.000 de francos foram investidos em mais dois conjuntos, em Batignolles e Neully, durante a reforma implementada por Haussmann, como pode ser visto em BENEVOLO (1974)25 , p.105.”, escreve Farah em seu livro.

Está posto o problema: falta de mecanismos práticos para fiscalizar a demanda do povo que passa a levitar nos morros, nas encostas e nos alagados e direcionamento errado para verbas de infra-estrutura...precisamos menos de feliz ano novo, mas mais novas e eficazes políticas públicas. (Paulo Atzingen)

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